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CORDEL No. 4 - UM CASO DE AMOR NA “PARADA VOVÓ LAURINDA”

(Homenagem ao centenário da Estrada de Ferro Campos do Jordão)
- Cordel Nº 04 -

Peço licença à senhora,
peço licença ao senhor,
para buscar, no passado,
a história de um grande amor,
que narrarei, sem delongas,
sem tirar pontos, nem pôr.

No bairro do Piracuama
havia um homem solteiro
que, para ganhar a vida,
trabalhava, prazenteiro,
debaixo de chuva ou sol
no ofício de jardineiro.

Para atender aos clientes,
o transporte que ele tinha,
era o bonde que passava
pelos trilhos da Estradinha.
Por isso, saía cedo
e só voltava à noitinha.

No trajeto, quando lia:
“Parada Vovó Laurinda”,
o seu coração cativo
dizia: “seja bem-vinda”
para a moça que, à janela,
sorria, sempre tão linda.

Porém, para ele, era pouco
vê-la apenas na janela;
por isso, fez um poema
declarando o amor a ela.
Contudo, para entregá-lo,
era preciso cautela.

O pai da moça era atento
igualzinho a um cão de guarda:
não permitia a ninguém
se aproximar da mansarda,
e, quando era necessário,
usava a velha espingarda.

Quando o bondinho passou
perto da insigne morada,
saltou, correu e entregou
o poema à sua amada;
depois fugiu, velozmente, 
da espingarda engatilhada.
O pai da moça, furioso,
ao descobrir o namoro,
jurou punir o rapaz
por aquele desaforo,
pois na casa de donzela
ninguém infringe o decoro.

A cabecinha do pai
viveu noites de alvoroço
por pensar em como agir
contra o “carne de pescoço”.
Antes, perguntou à filha
se ela gostava do moço.

A moça, ruborizada,
passando a fitar o chão,
depois de um breve silêncio,
disse, sem hesitação,
que o jardineiro habitava
há muito o seu coração.

Ao saber que a filha amava
o jardineiro tenaz,
foi colher, nas redondezas,
detalhes sobre o rapaz,
e soube, que aquele moço,
era do bem e da paz.

Noutro dia, o jardineiro,
cansado de se esgueirar,
pulou do bonde, outra vez,
decidido a conversar
e implorar ao pai da moça
que a deixasse namorar.

Ouviu o som do gatilho
e continuou firme e forte,
pois se não pudesse tê-la
como futura consorte,
seria muito melhor
dormir nos braços da morte.

Sob a mira da espingarda
o moço foi avisado:
se entrasse naquela casa
sairia apenas casado;
se não, que nunca voltasse
para não ser alvejado.

O jardineiro surpreso,
cheio de felicidade,
entrou na casa e encontrou
a sua cara metade
sobre cadeira de rodas
padecendo de ansiedade.

Enquanto, nas mãos da moça,
pousava um beijo sutil,
o pai, represando o pranto,
e com voz menos hostil,
disse que a filha tivera
paralisia infantil.

Também disse que, no parto,
a esposa passou tão mal
por causa da hemorragia
que, contundente, fatal,
não deixou que o hábil médico
impedisse o funeral.

O jardineiro o abraçou
com profundo sentimento
e jurou fazer de tudo
pra evitar mais sofrimento
começando por marcar
a data do casamento.

Casaram, meses depois,
em cerimônia modesta.
Até hoje há quem comente
sobre o violeiro da festa:
era o genitor da moça
que madrugou na seresta.

Dias depois, num jantar,
dizendo que estava farto,
o pai osculou a filha
e caminhou para o quarto;
deu dois passos e caiu
com um fulminante infarto.

Foi difícil aceitar
ser órfã mais uma vez. 
Porém, depois de dois anos,
a alegria se refez:
o casal ouviu o obstetra 
confirmar a gravidez.

No oitavo mês, entretanto,
a bolsa amniótica estourou.
O jardineiro, sem carro,
só não se desesperou,
porque ao centro da cidade,
o bondinho os transportou.

Do centro até a Santa Casa
o táxi foi com urgência
Chegando lá, o doutor,
gritou: “Depressa! Emergência!”
correndo à sala de parto
para tomar providência.

O parto foi complicado,
mas a moça não morreu.
Depois de horas de aflição
o fruto do amor nasceu:
era um menino, um menino,
um menino que... sou eu.


Maurício Cavalheiro – 2014

Contato:
mc.pindamonhangaba@gmail.com
(12) 99735 0611

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